N'este concelho de Baião, nomeadamente n'esta paróquia de Santa Marinha e na de Gestaçô, abundaram sempre mulheres de virtude ou intrujonas, que exploram a estupidez indígena e vivem de talhar e curar (?) toda a sorte de mal ruim, por meio de nojentas e perigosas receitas, acompanhadas de bênçãos, resas e esconjuros — como vivem outras muitas intrujonas em differentes pontos do nosso paiz, — nas aldeias, nas vilas e nas cidades, inclusivamente no Porto e em Lisboa.
Vamos dar uma amostra das taes receitas, de todo o ponto authenticas, pois foram collecionadas por nós nesta freguezia, quando por aqui folgàvamos durante as ferias da nossa formatura.
Bom tempo era esse! . .
Desculpem-nos as palavras e phrases mal soantes, posto que em attenção aos leitores omittimos as receitas mais vermelhas, que só em publicações realistas à “la mode” poderiam tolerar -se.
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1ª PARA TALHAR SEZÕES
A enferma deve trazer — 3 palhas da sua cama — um bocado de uma sua camisa, já vestida e antes de lavada — e um bocado de pão.
«Em nome do Padre, do Filho, e do Espirito Santo —Dizem ambas—Amem.
Amigas, ide-vos embora.
Levaes pão para comere
Palha para vos deitar;
Adeus, que vos não quero tornar a ver.
Ide para o mar coalhado.
Onde não canta galinha nem gallo”.
Isto diz-se nove vezes, rezando no fim de cada uma, um Padre Nosso e uma Ave-Maria. Paz téco, alelluia. Depois diz-se:
«Todo o mal que n'este corpo entrou.
Ar de névoa, ar de cinza.
Ar de galinha chóca, ar de cisco.
Ar de vivo em peccado.
Ar de morto excommungado,
Ar de todo o mau olhado.
Seja d'este corpo apartado.
Deus te desacanhe de quem te acanhou,
Deus te desinveije de quem te inveijou".
Isto também nove vezes, e no fim o enfermo comerà um dente d'alho e um casco de cebola.
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2ª PARA DOR CIÀTEGA (sic) (dor ciàtica)
«As pessoas da SS. Trindade, são tres;
Ellas querem e podem.
D'onde o mal veio, para là torne.
Senhora da Conceição,
Ponde aqui a vossa mão,
Sr. São José, ponde aqui o vosso pé,
Sr. São Luiz, ponde aqui o vosso nariz,
Para que lhe preste quanto fiz.
Jesus, filho de Maria,
Soccorrei-nos n'este dia.
Paz téco, alelluia.»
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3ª REMEDIO PARA A TROPEZIA (paralisia)
Toma-se tres dias em jejum, meio quartilho d'água do rio Jordão — outros tres dias, a mesma porção d'água da Samaritana — e outros tres, água de mil fontes. No fim dos nove dias, pega se n'um aipo, tres cabeças de arruda (1), tres pés de trovisco macho e meio quartilho de vinagre forte.
Piza-se tudo muito bem pizado e põe se na barriga do enfermo, dizendo:
“Oh, Santa Virgem Maria,
Tira d'este corpo a tropezia;
Milagroso S. Braz,
Arreda este mal para traz;
Milagroso São Facundo,
Leva este mal para o outro mundo,
Que não toque em mais ninguém.
Paz téco, alelluia. Amem.”
(1) é uma planta da família das Rutàceas
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4ª PARA CURAR A NURISMA
Deita-se o doente em uma esteira nova, com a barriga para baixo. Põe-se-lhe nas cruzes, uma tíjella com água benta e uma cruz, dizendo:
«Em nome de Deus; amem.
Em louvor de S. Paulo bemaventurado.
De São Pedro, discípulo amado.
De São frei Pedro Dias, libaral,
Prumeiro que em Roma fez espital.
Para grandes e meninos,
Pobres, cégos, pelingrinos.
Deus lhe disse—Pediràs,
E de mim receberàs.
—Quero a nurisma curar.
Vae ao mundo por tres dias,
E diz—Manda São frei Pedro Dias
Que te vàs, nurisma, embora
Com corenta Aves-Marias.
Jazuz paços; Jazuz mariatus;
Jazuz conçomatus; Jazuz enterratus.
Livrae esta creatura
Da nurisma e mais tristura.
Jazuz, filho de Maria,
Paz téco, alelluia."
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5 – REMÉDIO PARA A DOR DE CABEÇA
Alecrim, rosmaninho, arruda, politaira, aipo, mentrasios e segurêlha: tudo muito bem pizado, e posto na cova do ladrão, ao deitar da cama—e diz-se:
«Com Deus me deito,
Aqui n'este leito.
Deito-me doente
E levanto-me escorreito,
Em louvor de Santa Maria,
Paz téco, alelluia.
—Amem."